Eu cresci nos bombeiros. Costumo dizer a brincar, que só não nasci no quartel porque levaram a minha mãe a tempo para o hospital. Carrego orgulhosamente um apelido de bombeiros, que trás história, garra e coragem.
Quando era pequenina sempre quis ser Bombeira, gostava da farda, das luzes, das sirenes, do olhar de esperanças com que os bombeiros eram recebidos. Eu sabia-o e acima de tudo desejava-o, ser Bombeira era o meu sonho. Aos 15 anos ingressei como cadete nos bombeiros voluntários da minha cidade.
Aos 18 tornei-me estagiária e comecei o curso de instrução inicial de bombeiro, que durou mais de um ano, e, no dia em que recebi as minhas divisas de bombeiro de 3°, pela pessoa que mas colocou aos ombros, em representação do meu herói que não me pode ver a chegar ali, pelo peso da responsabilidade, o esforço, o sangue, o suor e as lágrimas dedicadas aquele ano intenso, fez desse dia, dia 14 de Julho de 2013, um dos melhores dias da minha vida onde me senti verdadeiramente conquistadora de mim mesma.
Depois disso, vivi para os bombeiros, eram semanas inteiras sem ir a casa, queria aprender, viver tudo, ir para todas as ocorrências, fiquei ambiciosa de experiências (o que agora, passado alguns anos não é propriamente positivo). Em 2015 desisti da faculdade para fazer dos bombeiros profissão, o ponto alto da realização do meu sonho de menina, e foi, no dia 10 de Setembro de 2015 que começaram os melhores 3 anos da minha vida, como Bombeira profissional num corpo de bombeiros a 250 km de casa. Uma independência conquistada aos 20 anos, onde cresci imenso como profissional e como mulher. Vivi muito e aprendi ainda mais. Fazia de tudo, ambulância de socorro, acidentes, incêndios, central de telecomunicações e mesmo levar aquele avozinho à consulta.
Vivi esses anos intensamente, assim como o fatídico 2017, vivi de frente, de cara, pele a pele, como a maioria dos portugueses, estive lá, nas chamas, no calor, no desespero e num sentimento de inutilidade demasiado intenso para conseguir explicar.
Como diz a minha mãe (que sabe bem desta vida) “conhecemos as pessoas no pior momento da vida delas” e eu conheci muitos piores momentos.
Mas, não são só tragédias, estive presente na Operação Fátima 2017, quando o Papa Francisco veio a Portugal, e tive o prazer de o ter bem perto de mim, fiz serviços que me deixaram extremamente realizada, do género “salvamos uma vida hoje”, conheci pessoas espetaculares, profissionais incríveis, fiz amigos para a vida, mas também aprendi a não confiar demasiado nas pessoas, a chorar quando é preciso, saber calar quando necessário, e aprendi que sentir-me triste, não conseguir dormir, depois de uma morte ou de um serviço complicado só me faz humana. Não as contei, porque se por vezes ficamos a pensar no assunto, acho que contar é uma forma de nos castigar por termos feito o nosso trabalho, mas é o que eu sempre disse, cada um lida à sua maneira.
Por motivos pessoais, regressei a casa em Junho de 2018, “um bom filho à asa torna”, dizem… e voltei para os bombeiros da minha cidade, mas a diferença foi tão grande, o regresso a casa não foi propriamente como planeei, que decidi encaminhar a minha vida a realizar outros sonhos, pois o principal já tinha sido concretizado. Por isso, passados uns meses do meu regresso pedi passagem ao quadro de reserva, e dei um tempo aos bombeiros. Voltei para a faculdade, quis estudar mais e trabalhar noutros sítios, quis ir em busca de outros sonhos. Mas bombeiro uma vez, bombeiro sempre. Até hoje, ausente já quase há um ano, as sirenes arrepiam-me da mesma maneira que arrepiam quando era pequena, trazem-me recordações, trazem-me saudade. “Hoje, quando oiço uma sirene, quando vejo um carro de bombeiros ou uma ambulância, vejo vidas que salvam vidas. Hoje, quando vejo um bombeiro, vejo um ser que me orgulho que exista, e peço que este seja bombeiro para toda a vida”, porque a paixão do bombeiro, é apenas essa, ser bombeiro.
Um dia eu volto, prometo que volto…
Até lá, há consciências que precisam de ser mudadas, comportamentos corrigidos, para que a essência do bombeiro não se perca, nem que os próprios bombeiros não a estraguem, ou que quem os lidera não se perca.
Um dia eu volto, prometo que volto…
Autora- Beatriz Salafranca
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