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“Mas as mulheres é que usam salto alto!”


Houve uma altura na minha vida em que me cansei. Cansei-me de ter de representar um certo papel: o de homem tradicional que se comporta como todos os homens, que se veste como todos os homens.

Rebuscando nas minhas memórias mais antigas e aquelas que eu consigo mesmo perspetivar, sempre me lembro de olhar para montras de roupa e achar que era tudo mais do mesmo: a moda para homem é uma seca enorme. De entre todos os estilos, o homem veste-se quase sempre da mesma maneira e isso torna-se um aborrecimento. E quem me conhece sabe que eu só sou aborrecido quando estou aborrecido. Passemos a redundância.


Quando me cansei de ser mais um, a minha mudança começou pelo uso de peças não convencionais naquilo que o mundo costuma rotular de “estilo masculino”. Mas dentro desse estereotipo eu fui mudando.

Houve uma altura na minha vida em que usava muito roupa, digamos, clássica. Calça vincada, camisa, blazer. O uso da gravata também era algo comum: quando todos detestavam usar gravata, eu usava-a. Depois cansei-me da gravata e comecei a usar laço. E virei o “tóino do laço”. Entretanto ainda não era suficiente para mim na saída dessa caixa tão limitadora e passei a usar chapéus e boinas. Sorte a minha que virei careca e a Amália começou a cantar para mim (ó careca tira a boina). Mas no íntimo do meu ser ainda não era eu. Não me sentia completo. Os meus olhos continuaram a tender para aquelas peças mais extravagantes. Passei a usar peças diferentes, roupa diferente, estilos diferentes e há quem diga que virei uma autêntica matrafona. Azar o deles porque eu encontrei-me e senti-me bem com a roupa que usava.

Comecei a sentir dentro de mim que os rótulos de “roupa feminina/roupa masculina” não faziam qualquer tipo de sentido.


Se olharmos para a história, neste caso da moda, conseguimos perceber que existem inúmeras peças de vestuário que eram usadas por ambos os sexos: os espartilhos eram usados tanto em homens como em mulheres. Saias eram uso habitual nas cortes (independentemente do sexo). Chapéus, plumas, lenços, etc etc etc... até SALTOS ALTOS. Pois bem, chegámos ao cerne da questão que me leva a escrever hoje.


Das pessoas que me rodeiam nos dias de hoje, acho que nenhuma tem ideia de quando eu comecei a usar saltos altos. Esse foi um enorme desafio para mim. Adoro saltos altos e continuo a dizer que as mulheres são muito mais felizardas porque podem calçar o que quiserem sem que entrem numa sala e os olhares recaiam sobre elas com comentários jocosos. E eu, como já referi, adoro saltos altos. Então um dia encontrei uma forma de os poder usar sem que me expusesse demais: umas botas, cano alto, tipo cavaleiro. Não estava a fugir ao quadrado do masculino, porque eram na verdade, botas de homem. Quando as comprei os meus olhos iam mais para umas texanas lindas que estavam lá ao lado... mas isso já era de mais para mim na altura. Usei essas botas montes de vezes. E como eu as amava. Até que as perdi.


Dessas botas de cano alto aos meus saltos atuais passaram-se 10 anos. 10 anos em que eu olhava e só queria ter uns nos meus pés. Se houve alguma vantagem no cancro que tive há 7 anos atrás foi o facto de deixar de ligar aos comentários obscenos e ridículos das pessoas minhas circundantes.


De saltos suaves passei para saltos um pouco mais arrojados. E raios me partam, mas sinto-me completo e poderoso.


Aquilo que eu desejo transmitir com este texto é bem claro: não deixar que os outros nos coloquem numa caixa. Sim, eu sou um HOMEM que usa SALTOS e isso não me faz menos homem que outro homem qualquer. Simplesmente eu não gosto de ser mais um. Gostaria que ao fim de lerem este texto fossem na rua e fizessem o seguinte exercício: olhem para os pés das pessoas que passam por vocês. Façam-no e vão perceber o seguinte: os homens vão andar de ténis, sapatos ou, agora por

causa da chuva, de botas. E ao mesmo tempo vão perceber que acabam por ser todos iguais e dentro do mesmo estilo. Já nos pés das mulheres as coisas vão variando. Saltos, cunhas, rasos, botas, botins, sandálias, etc. Entrem numa loja de calçado e reparem na secção de mulher e na secção de homem. Vejam a variedade de um e de outro.


Usar saltos não torna ninguém mais homem e mais mulher. Usar saltos faz-nos mais altos ou mais baixos. E é só isso! Claro que a nível psicológico isso pode ter uma grande influência: no meu caso eu sinto-me poderoso, sinto-me bem, sinto-me extravagante dos pés à cabeça. E eu sei que quando entro num espaço e ouvem o “tac, tac” que vão olhar. Mas sabem que mais? EU Não QUERO SABER! E sabem porquê? Porque eu me sinto bem assim, porque eu me sinto o Ismael. Porque eu sei que não sou só mais um, mas sou eu, com a minha própria identidade, com a minha própria forma de ser. E posso garantir-vos: quando chegarem a esse estado, o infinito é o nosso limite.


Autor: Ismael Sousa




Sabia que os sapatos de salto alto foram criados, originalmente para serem usados pelos homens?


Os primeiros sapatos de salto alto foram criados para os cavaleiros persas, para que eles tivessem uma melhor posição dos pés nos estribos enquanto montavam a cavalo.

Um desses sapatos pode ser visto na exposição no Bata Shoe Museum, em Toronto – Canadá, como revela a imagem abaixo:


E foi no fim do século XVI, quando a cultura persa se disseminou pela Europa, que os saltos altos começaram a invadir o guarda-roupa masculino. Nessa época, eles eram vistos como sinais de virilidade entre os homens. Nos séculos XVI e XVII os sapatos com saltos altos eram bastante populares entre os membros das classes mais privilegiadas. Um grande utilizador desse tipo de sapato foi o rei francês Luís XIV.


O monarca francês, para criar distinção entre nobres e plebeus, decretou que apenas membros da sua corte tinham autorização para usar saltos vermelhos como os dele.

E foi essa ideia que acabou por ser uma inspiração para o tão conhecido Christian Louboutin, mais conhecida pela marca da sola vermelha.

Por volta de 1740, com algumas mudanças comportamentais e até governamentais, os homens deixaram de usá-los. E como as mulheres estavam em processo de luta pela igualdade, começaram a fazer e a usar coisas e acessórios que anteriormente não podiam, começaram a fumar, a ter o cabelo curto; no fundo a lutar pelos seus direitos e começaram a usar algumas peças masculinas para se "afirmar", dentre elas o sapato de salto alto. (Cury, 2016)



Autor: Maggie Ribeiro


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